[Auto Narrada/Fechada +18] - O diferente assusta ou atrai?

Pairando por cima de Foz ia aos poucos chegando até o solo, minhas asas se desfaziam quando eu pisava no solo, em um beco sem saída e escuro eu encapuzava-me e entrava na rua principal da cidade portuária.

Um pouco ansioso por ser a primeira vez sozinho em Erwood caminhava momentaneamente focando meu olhar para meus pés. Preferia estar acompanhado de Bael, ele era um ponto seguro nesse mundo vasto e incerto. Meus olhos viajam pelo chão focando nos mínimos detalhes dentre os pés dos demais viajantes, dos detalhes das botas, as características de pele, pelo e estrutura.

A curiosidade era maior que o medo e levantava a cabeça finalmente prestando atenção na cidade, ainda que num horário movimentado, por estar perto do porto fazia sentido aquela grande movimentação. Por sorte não estava com minha roupa de combate, havia pegado uma vestimenta com Bael e conseguia me sentir mais presente naquele ambiente caótico.

Um sorriso animado ia surgindo em meu rosto, mas ia percebendo aos poucos que muitos se afastavam de mim, talvez por pressentir quem eu realmente era, o que me magoava, mas não fazia com que eu me acanha-se, mantinha um sorriso convidativo conforme viajava com meus olhos entre as pessoas e lugares.

Até que meu olhar se fixava em uma taverna, as sobrancelhas cerravam-se e eu apertava meus punhos – Isso definitivamente é cheiro de demônio – Caminhando somente para a frente e empurrando aqueles que me atrapalhavam no caminho adentrava no local.

Os olhares se voltavam a mim, notava que algumas pessoas começavam a cochichar enquanto outras iam ficando nervosas. Suspirando caminhava até o balcão e se sentava em uma poltrona – Me vê uma bebida bem forte – O barman que estava ali só para ganhar seu sustento servia em um pequeno copo uma medida e entregava a mim – Saúde – Levava o copo a frente e tomava seu conteúdo, batendo-o contra o balcão apoiava meu rosto com os dois braços, olhando agora para meus pés.

De olhos fechados voltava a me concentrar, buscando encontrar a presença que anteriormente havia sentido.

---

As chamas dançavam frente aos meus olhos púrpura, enquanto o calor aquecia minha pele alva, mandando calafrios por minha coluna. O som dos gritos e os pedidos por socorro soavam como uma doce sinfonia. Era assim que os humanos lutavam? Apenas se deixavam abater quando uma criatura minimamente mais forte aparecia? Se eles ao menos unissem suas forças, veriam que seria fácil me subjugar...

Dando de ombros, virava em meus calcanhares e caminhava para o lado contrário a cena incendiada. No terceiro passo, continha-me, algo de energia bastante forte se aproximava, e eu podia sentir aquilo com cada fibra de meu corpo. Parando, olhava ao redor, tentando localizar de onde vinha aquela sensação, mas ninguém aparecia por perto. - Deve ter sido impressão... - Pensava em voz alta e retomava meu caminho.

Em pouco tempo, alcançava o centro da cidade novamente, afinal, era melhor evitar muitos olhos pairando sobre meus experimentos sociais. Já era tarde e, por isso, hora de voltar para a taverna em que estava ficando. O local não era dos mais convidativos, mas certamente um dos mais baratos que pude encontrar.

Como de costume, os olhares lançados em minha direção não eram receptivos, talvez pelo fato de eu ser uma aberração híbrida, mas ainda mais provável era a destruição que estava causando em alguns pontos da cidade. De qualquer forma, não me interessava. Entrava na taverna e imediatamente congelava, sentindo um arrepio da cabeça aos pés.

Não havia como me enganar, existia uma presença divina aqui. Alarmes de sobrevivência soaram em meu corpo dizendo-me para fugir dali, mas a curiosidade me insitgava a continuar. Incapaz de decidir, mantinha-me parada na porta, analisando cada ser ali presente em busca daquele que seria divino.

O tempo parecia congelar quando uma nova presença surgia no ambiente, curioso voltava-me para a porta e avistava uma bela humana? Mas seus chifres e aquela aura indicavam outra coisa, uma híbrida talvez? Assim como Bael podia pressentir uma parte magica em seu corpo, no caso dele era o lado angelical e no caso dela... O lado demoníaco?!

Tinha certeza de que era ela quem havia sentido anteriormente, por sentir, mas não ter certeza de sua aparência um contraste grande acontecia, sua natureza me indicaria perigo, mas sua beleza e aparência jovem fugia totalmente de tudo que havia aprendido sobre demônios, talvez fosse seu lado humano escondendo sua real face, não sabia ao certo e com certeza queria descobrir a verdade.

Por aparentar estar em um estado de choque já sabia que ela teria me sentido e sinceramente? Faze-la fugir seria a pior opção, ainda que precisasse matar ela eu queria ao menos conhece-la mais um pouco. Levantando-se de meu assento, caminhava até a moça.

- Desacompanhada nesta noite de lua minguante? Que tal se juntar a mim? Afinal... Os olhares neste local não parecem ser os melhores para você... Venha – Apoiando a mão sobre seu ombro a empurrava lentamente para o centro do salão, então, já atrás dela, apenas a guiaria até o local que eu estava sentado.

Assim com um sinal pedia duas doses da bebida que anteriormente havia tomado e oferecia uma a moça – Que indelicadeza minha em sequer me apresentar, perdoe-me pela falta de cordialidade senhorita... – Inclinava-me a frente pedindo perdão – Me chamo Micael – Um sorriso onde apena o canto direito da boca se levantava surgia enquanto olhava profundamente nos olhos da garota.

---

Não demorava muito até cruzar olhares com o dono da presença divina. Pelo traços e ar de superioridade arrogante, só poderia ser uma criatura divina. Ali ficávamos por alguns instantes, completamente estáticos e nos encarando. Apesar do burburinho no ambiente, tudo o que notava eram as aparentes faíscas voando entre nós.

Novamente o mais indicado era correr, havia aprendido que a melhor forma de lidar com anjos era não lidar com eles de forma alguma, contudo, algo me prendia. Talvez minha ingenuidade de acreditar que ele não seria tão ruim quanto os outros? Ou talvez a curiosidade de conhecer um anjo pessoalmente? Ou quem sabe só por sua bela aparência? Eu realmente não sei dizer, mas era hipnotizante.

Antes que pudesse raciocinar mais, o anjo se erguia e começava a andar em minha direção. Estupefata, dava alguns passos para trás e erguendo a cabeça para encará-lo. Sua voz soava angelical, assim como tudo nele, se é que isso faz algum sentido, e isso me intrigava e causava certa irritação ao mesmo tempo.

- Pessoas como eu estão sempre desacompanhadas, como deve saber. - Forçava um sorriso enquanto sentia sua mão sobre meu ombro e deixava que ele me guiasse. - Prazer Micael, sou Eris. - Alcançava a dose da bebida que ele havia pedido anteriormente e virava de uma só vez o conteúdo do copo.

O sorriso em seu rosto e o olhar penetrante me deixavam desconcertada, mas fazia um esforço para manter a pose. - Ahem. - Pigarreava com a mão fechada na frente da boca, tentando quebrar o gelo de alguma forma. - Bom, acho que ambos sabemos o que somos, por quê não pulamos o papo furado e você me conta como pretende... - Olhava ao redor e fazia um sinal com o polegar sobre meu pescoço. - Sabe...? Tentar me matar.

Dessa forma que nós arcanjos éramos vistos? Talvez por não entender a real inimizade entre nossas raças que não conseguia aceitar tão bem a fala de Eris. Sim, eu sabia que o certo seria matá-la, o correto era sequer perder tempo conversando..., mas..., seria esse o caminho a se seguir? Perguntava-me em tal devaneio até que ouvia “Tentar me matar”.


Recobrindo a consciência inclinava meu rosto para traz juntamente de um curto e apático sorriso, meus olhos vermelhos pareciam ter suas cores intensificadas quando a luz das lamparinas insidia em meu rosto pálido e frigido. Eris realmente acreditava sequer ter chances contra mim? Acabava rindo debochando de suas últimas palavras – Perdoe-me pela risada, é que crer em sequer conseguir me derrotar parece-me tão ilógico – Acabava gargalhando ao fim de minha fala em um tom mais descontraído – Não se preocupe, eu não sei se tenho que te matar..., Tenho?

Chamando o barman com um aceno voltava meu rosto para ele – Traga-me outras duas doses, a noite será longa... – Arrastava o copo até próximo da moça e erguia o meu à frente dela – Cabe ao Micael do futuro decidir o que será feito..., pois... – Ingeria parte da bebida – O Micael do presente quer conhecer essa adorável moça a minha frente – Tomando o que havia restado sorria de forma alegre, deixando o clima ruim para trás.

- Diga-me, você já sabe o porquê eu vim até Foz Dourada... E quanto a você? Nascida aqui? Pais marinheiros? Ou talvez em busca puramente de diversão em um local tão perfeito para isso não é mesmo? Afinal, caso algo aconteça de errado é só pegar um navio e desaparecer pelos mares de Erwood...

---

A risada fria do homem ecoava pelo salão, atraindo certos olhares. Eu o encarava completamente séria, sabendo que ele não acreditava em mim. Seria minha aparência? Ou apenas deveria se achar superior por ser divino enquanto eu era, além de híbrida, uma criatura demoníaca.

Ouvia sua fala e ao final revirava o olho. - É por isso que criaturas divinas morrem todos os dias. Vocês são tão arrogantes. - Bebericando de meu copo, ria com o vidro encostado no lábio. - Agora faz sentido o Lúcifer ser o príncipe da soberba. - Piscava para o homem ao meu lado.

Esperava as novas bebidas enquanto ele terminava sua frase. Era bem provável que estivesse diante de alguém que sofria de transtorno de bipolaridade, pois em um minuto mudou de ter certeza que me mataria para querer conhecer a "adorável" moça.

Deixava transparecer a confusão, afinal, esconder emoções jamais fora meu forte. De qualquer forma, respondia-lhe. - Veremos se o Micael do futuro prefere viver ou tentar a sorte contra um demônio. - Fazia um movimento de brinde antes de beber o líquido. - Eu não posso afirmar que sei seus motivos, mas imagino que tenha algo a ver com meus experimentos recentes. - Cochichava a última parte.

Colocando o copo sobre a bancada, virava-me para ele, apoiando os cotovelos na superfície que agora estava ao meu lado. - Eu vim de Darkaria, uma cidadezinha simpática chamada Malum'cruz. Mamãe é uma poderosa bruxa que invocou um demônio, no caso meu pai. Logo, sou uma híbrida de humano com demônio, por isso os olhares encantadores em minha direção. - Sorria forçadamente e retornava a seriedade. - Vim explorar essa racinha inferior e descobrir novas coisas sobre o mundo, tinha educação limitada em casa, e estou passando por minha "fase rebelde", não quero ser uma grande seguidora do ciclo demoníaco como meus pais planejam. E você, também na fase rebelde ou obedecendo seus papais?

Era como tirar doce de criança, ao menos eram assim que eu acreditava que tal expressão era usada, Eris, acabava entregando em minhas mãos o que sequer tinha conhecimento, sorria e ao fim gargalhava, era muito bom conviver com pessoas diferentes. Seres com temperamentos e individualidades únicas, querendo ou não, já estava cansado da mesmice que eram em Silver City.

- Creio que me encaixo melhor na fase rebelde – Inclinando-me para a distância entre nós dois encurtava, sentindo-me no direito mexia no cabelo da moça, pondo uma mexa atrás de sua orelha – Experimentos? Que tipo de experimentos? Aqueles envolvendo pessoas inocentes? – Voltava a minha posição inicial, novamente sorrindo só que dessa vez focando intensamente nos olhos de Eris.

O ambiente era caótico, humanos se embriagando em busca de fugir da triste realidade que os esperavam do lado de fora da taverna, grupos de anões em mesas discutindo sobre os baixos valores que recebiam para as incansáveis horas de minerações e no meio de tudo aquilo, uma conversa entra um hibrida de demônio com humano acontecia com um arcanjo.

- Sendo sincero, não sei mais quanto tempo teremos em paz, a minha presença já deve ter sido sentida por outras criaturas e é questão de tempo até que alguém surja querendo me matar, bom..., eles podem até tentar, mas a penitencia deles será aplicada – O barman então me entregava mais um copo, que ia bebendo e aos poucos ia sentindo os efeitos da bebida – Até que as bebidas daqui debaixo são bem fortes né?

---

A conversa continuava interessante, por mais absurdo que isso possa parecer. Não sentia nenhuma sede de sangue vinda do ser divino, pelo menos por enquanto e, por esse motivo, me mantinha mais relaxada. Suspirando profundamente, encarava-o enquanto ele falava.

Ele se aproximava e arrumava meu cabelo, fazendo-me arrepiar levemente, mas não tirar os olhos dos dele, não daria tal satisfação a quem mal conhecia. - E o que seus deuses diriam de tal comportamento? - Tecia um sorriso provocador antes de continuar. - Inocentes? Como define isso? Eu sei o que se passa na cabeças dessas criaturas baixas e, acredite, não aas chamaria dessa forma se soubesse também. Mas são experimentos... Inofensivos, quase ninguém sai morto.

Seus olhos quase perfuravam minha pele alva, tamanho seu empenho em me encarar. Enquanto isso, eu deixava que ele olhasse as curvas de meu pescoço, voltando-me para o bar, onde novas bebidas eram servidas. Suas falas continuavam vindo ao passo que eu alcançava a bebida em minha frente.

- Acha que tais criaturas teriam chance contra vossa santidade? - Dizia em tom brincalhão e deixava a cabeça tombar para o lado, encarando-o e piscando enquanto dizia. - Não se preocupe, eu te protejo, ser divino. - Sorridente, virava meu corpo e concordava. - Não tenho muito costume de beber... Para falar a verdade, já faz um tempo que estou na dúvida se você está sozinho ou se tem um irmão gêmeo. Como suas roupas são iguais, coloquei a culpa na bebida, mas manterei as aparências até o fim.

Erguendo meu copo, propunha um brinde, no entanto, percebia que estava vazio. Soltava um risada desajeitada, já deixando transparecer os traços de embriaguez. - E então, acha que consegue beber mais do que eu? Parece se achar infinitamente mais poderoso.

Sinceramente? Entendia parcialmente o que Eris falava naquele momento, fosse pela embriaguez ou pela beleza cativante da moça que conseguia me prender em um transe psicodélico onde começava a ver não apenas um par de chifres, mas dois, assim como seu rosto as vezes embaçava e voltava ao normal.

- Esses bichos? Eles apanhariam para o mais fraco guerreiro deste bar não se preocupe, eu te pro- Ela falava o que pretendia e isso tirava uma gargalhada de minha boca – Ora ora, você ainda acha que teríamos uma luta justa? Convenhamos com esse teu lindo corpo e rosto você faria uma ótima mulher, agora combatente não é a melhor aposta.

- Mas veja bem, não estou te desmerecendo, só acho que você diferente das trogloditas que se vê por aí tem qualidades físicas acima da média – Minhas bochechas se coravam, não era da minha natureza elogiar e era algo que havia feito poucas vezes – Lembro de Goblins que encontrei anteriormente em um bar, aqui em Foz Dourada, cerca de quatro anos atrás, elas eram interessantes, compartilhavam do mesmo dom que o seu.

Começava a rir conforme ouvia a fala de Eris, concordando com o rosto enquanto afastava as lagrimas de felicidade com a ponta dos dedos, era difícil se manter no equilíbrio quando uma janela misteriosa que parecia aparecer somente para mim já que ninguém no ambiente expressava qualquer estranheza.

Cem flexões e cem abdominais, um desafio interessante que encaixava perfeitamente na fala de Eris em provar-me superior a ela – Que tal, ao invés disso, temos que fazer cem flexões e cem abdominais sem parar, a cada vez que pararmos por cansaço devemos beber, vence quem completar a sequência?! O que acha? Ou é difícil demais para você donzela?