Conseguia ver aquele maldito vilarejo se afastando cada vez mais do alcance do meu bico. A cena era quase cômica, um bando de criaturas patéticas tentando me intimidar com pedras e gestos furiosos, como se fossem capazes de me deter, logo a mim! Não pude acreditar na audácia deles. Um lugar tão miserável, que machucava minhas patas delicadas e corroía minha elegância a cada dia que passava. Era evidente que não sentiria a menor falta daquele antro gelado, onde a única coisa mais fria que o vento era a recepção que recebia. Agora, com o vento sendo cortado por minhas asas majestosas, eu me dirigia para terras mais quentes e agradáveis. A doce migração para o norte estava apenas começando.


Por horas, bati as asas sem parar, sustentado pela minha vitalidade inigualável. A resistência sempre foi um dos meus maiores dons, algo que me diferenciava das criaturas inferiores. O cheiro salgado de peixes frescos e a presença de novas pessoas começaram a preencher o ar à medida que me aproximava do destino. Sabia que era hora de pousar. Este novo lugar, sem dúvida, seria um lar temporário muito mais digno do que a podridão costeira de Foz Dourada.


Ao tocar o solo com elegância, a primeira coisa que meus belos olhos rosados notaram foi a presença de pessoas interessantes. Sem dúvida, elas eram mais agradáveis e refinadas do que os brutos da terra que havia deixado para trás. Cada passo meu exibia o quão deslumbrantes eram minhas penas, que dançavam suavemente ao ritmo da brisa que acariciava meu peito. A luz do sol refletia em minha plumagem com um brilho quase divino, destacando a minha beleza singular, algo que esses canídeos inferiores jamais poderiam compreender.


— Minha Kalah toda poderosa — Grasnei alto, enquanto uma onda de orgulho percorria meu corpo. — Como sou bonito, como sou forte! Sou mais do que qualquer coisa na Terra: a lua, as estrelas, o sol brilhante — todos insignificantes diante das minhas penas cintilantes. Nada, absolutamente nada, é mais belo do que eu. Nenhum ser inferior, nem mesmo o mais majestoso dos animais, pode se comparar à grandiosidade do meu bico, esculpido pela própria natureza como uma obra-prima.


Sim, diante de todas aquelas pessoas, eu era o ser mais poderoso e belo. O orgulho inundava meu ser, e nada poderia impedir meu dia de ser glorioso. Caminhava por aquelas terras desconhecidas com meu rabo erguido, sacudindo com graciosidade a cada passo. Minha gravatinha, impecavelmente ajustada ao redor do meu pescoço, esboçava o quão elegante e social eu era, cada detalhe do meu corpo perfeito contribuindo para minha aura de superioridade.


E ali, naquelas novas terras, eu sabia que minha presença não passaria despercebida. Eu era a personificação da beleza e da força, e esse novo mundo estava prestes a ser abençoado pela minha majestade.