Eu não estava acostumada a lutar em equipe. Lutei por muito tempo sozinha, dediquei a maior parte do tempo que tive em minha curta vida à minha própria sobrevivência sei que deveria ter já adquirido alguma habilidade naquele tipo de situação, mas a verdade é que nunca foi muito exigido de mim um combate tão direto, então eu não tinha outra forma de agir. Muitas pessoas falam sobre como o treinamento é importante e precisa ser levado à perfeição, mas pouco se fala que aprender a lutar com outros ao seu redor é uma habilidade tão desafiante quanto enfrentar múltiplos inimigos sozinha.

Eu notei que a luta guiava o grande monstro para o lago. Podia entender que queriam afogá-lo e as justificativas físicas me pareciam mais que suficientes, mas não era bem assim que funcionava uma luta em equipe. Entrei na água para ajudar Riki, mas era claro que ele não precisava da minha ajuda tanto quanto eu podia imaginar. Eu vi a movimentação na água a minha frente, mas antes que eu pudesse reagir de acordo, alguém simplesmente proferiu palavras sagradas.

Um paladino. Tinha que ser não? Sempre tão puro e dedicado, ele tinha que chamar os deuses em seu auxílio. Antes que me atingisse eu senti a energia divina se não espalhando pelo líquido. Era como uma explosão só que bem mais lenta. Eu tentei nadar para sair da água antes que aquilo me alcançasse, mas não fui rápida o suficiente.

Minha existência era uma memória de desafio aos deuses. Uma serva do mais alto nível e dos mais altos privilégios que abandonou tudo o que recebeu. Meus juramentos anulados pela minha rebeldia eram agora também um sinal que me tornava vulnerável àquele tipo de poder.

A dor se espalhou pelo meu corpo e tudo começou pela minha cicatriz. Eu senti meu corpo arder como se tivesse corrido uma maratona. Não deveria ser assim, eu sabia, eu não sofria na mesma intensidade de um demônio, mas não tinha ferramentas para impedir que um exorcismo me causasse sofrimento. Se eu tivesse me aprimorado mais, aquilo poderia ser diferente. Bem, não importava muito agora.

Recolhi os braços. Podia tentar agita-los, mas isso poderia fazer com que Siegfried na superfície parasse seu ritual. O demônio no corpo do coelho então teria uma chance para matar meus aliados. Então, fechei os olhos e deixei a dor me engolir. Economizei minhas forças. Deveria ter algo a se fazer, mas lutar contra a água não me ajudaria. Eu já havia entendido a natureza da minha maldição. Minha tortura naquela terra era intensa, mas esporádica. Entendia também que era eterna. De tempos em tempos, em suas brincadeiras com as almas humanas, os deuses me dariam um gosto do inferno, mas nunca me permitiriam usufruir dele por completo. Estaria sempre no meio.

Sendo assim, restou-me cerrar os dentes e desfrutar da minha dose do inferno. Tudo o que era necessário era que eu aguentasse mais do que o demônio.

Depois de algum tempo o sofrimento cessou.

Aquilo havia me desconectado por um tempo do resto do mundo e quando percebi, estava sendo conduzida para fora da água pelo gentil cavaleiro dos cabelos vermelhos. O mesmo que gentilmente havia invocado os deuses para me castigar. Não senti necessariamente raiva contra ele, mas ainda podia perceber os resquício daquela magia pairando no ar, escorrendo de meu corpo conforme a água descia até o solo.

Respondi assentindo com a cabeça.

- Está tudo bem, vá checar os outros.

Eu não era exatamente altruísta nas coisas que fazia, mas eram meus companheiros até o momento e dado que eu havia passado por aquilo para tentar fazê-los sobreviver, então, esperava que não se afogassem pateticamente em um lago qualquer. Acho que era isso que sentia ou talvez só não quisesse que morressem mesmo.

Eu tinha um lado bom e naquele momento, eu quis que ele sumisse.

Estava me secando quando notei Sieg trazer nos braços um desfalecido Seiji. O rapaz estava inconsciente, mas o contato com o ar deve tê-lo chamado de volta a vida. Cheguei a fazer menção de oferecer alguma ajuda real, mas ele cuspiu a água e logo revelou que estava tudo bem. Foi bonitinho observar Riki preocupado com o amigo e dado que estava tudo bem, não me preocupei muito com qualquer manobra de resgate, estava um pouco mais concentrada no incômodo que ainda sentia em minha cicatriz pecaminosa.

Tomei uma parte do meu vestido no chão e me cobri. A noite estava se aproximando e o frio era perceptível, talvez um pouco amedrontador. Perguntava-me quantas ameaças iguais aquela podiam estar se escondendo na penumbra. Quanto tempo até que as árvores mais uma vez revelassem um monstro que quase custaria nossas vidas.

- Eu quero dar uma olhada naquilo. Podem fazer o que quiserem depois... - Tudo que pertencia ao inferno era do meu mais profundo interesse. Assim como tudo o que pertencia ao céu. Juntei os cabelos com a mão e os apertei para retirar a água. Usei a toalha sobre a cabeça para secá-los mais rapidamente. Meu corpo mortal podia adoecer. Voltei-me para Siegfried. - Acho que eu perdi algum detalhe. O que uma pessoa precisa fazer contra o inferno para que demônios venham caçá-lo?

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