[AutoNarrada/+18/Aberta] A Ordem em Malum'cruz

O vento uivante e a tempestade de neve batiam nas janelas do decadente bar em Malum'cruz. Aquele inverno em específico estava implacável, trazendo um frio intenso que envolvia a cidade para além de sua noite eterna. No interior do bar mal iluminado, Kael e Lyra estavam sentados em uma das mesas, conversando em sussurros.

— Eles precisam se organizar. — Ele dizia, com uma firmeza sóbria em sua voz enquanto os seus punhos se cerravam por sobre a mesa. Pareciam já estar em meio a uma longa conversa entre os dois, e a expressão de Lyra era uma de completa apreensão. — Está bem... Eu vou tentar algo, mas sem um lugar fixo... "Fica difícil, não é?" Ela pensou, mas não falou. Ela tinha muito medo de aborrecer aquele para com quem tinha tamanha gratidão.

Enquanto as chamas tremulavam timidamente em uma lareira próxima, a porta do bar se abriu abruptamente, deixando a forte tempestade de neve invadir o local. Três homens adentraram, carregando um quarto homem em seus braços. Ele estava ferido e com queimaduras de gelo em sua pele, evidenciando o efeito implacável do inverno sombrio lá fora.

Kael levantou-se imediatamente, seu olhar perspicaz observando a cena. Sem hesitar, ele se aproximou dos homens feridos, enquanto Lyra o acompanhava de perto. Os demais clientes do bar olharam curiosos para a comoção, mas poucos tinham coragem de se envolver.

— O que aconteceu? — Perguntou Kael com uma voz firme, sua postura ativa sendo percebida mesmo em meio à penumbra do local.

Um dos homens respondeu com a voz trêmula: — Encontramos esse sujeito lá fora, perto do cais. Ele estava sendo perseguido por alguma coisa... — Os homens se entreolhavam e engoliam em seco. Todos sabiam a respeito dos constantes ataques realizados pelos undead naquela região, e não podia ser outra coisa.

Kael no entanto focou no que era prioritário. Examinou o homem ferido com cuidado, vendo suas condições precárias. Ele era um estranho na cidade, mas isso não impedia o vampiro de agir. — Aqui! — Kael ajudou os outros a levantar o homem ferido. — Abre espaço. — Ele dizia, enquanto Lyra rapidamente afastava as coisas da mesa em que estavam. — Eu vou ver o que posso fazer por ele... Por enquanto, me consigam cobertores. — Os outros assentiam e deixavam o local, restando apenas um homem, que ficava ali para ajudar no que ainda pudesse.

— Me veja uma bebida quente! — Kael gritou para o dono do bar, sua voz imponente cruzava o âmbito e chamava a atenção de todos. O barman conseguiu uma caneca com uma de suas bebidas, que passou de mão em mão entre os clientes até chegar a Lyra, que segurou.

— Ele está vivo... Mas no limite. — Dizia Kael, após encostar o seu ouvido no peito do homem e arregaçar as mangas.

A porta do bar se abria novamente, com a mesma brutalidade de outrora. Os dois homens entravam, estavam sujos de neve por sobre os seus mantos. Em suas mãos, traziam alguns poucos cobertores.

A esse ponto, Lyra segurava o homem ferido por suas costas, mantendo-o sentado enquanto Kael administrava alguns goles da bebida quente do taverneiro diretamente em sua boca. — Aqui. — O meio-sangue indicou o ferido, enquanto auxiliava os outros homens a enrolarem-no com os cobertores recém-adquiridos.

Com os indicador e o médio estirados, Kael sentiu a pulsação do homem, tocando-lhe o pescoço. — Está melhorando. — Ele disse, então se voltando para a sua pequena bolsa de equipamentos médicos. Deu uma boa procurada, e então tirou alguns panos, os quais umedeceu com os seus remédios feitos a partir das ervas de regiões próximas.

— Baba de Carvalho Amaldiçoado. — Kael anunciava, passando o pano umedecido por cima dos ferimentos no peito do homem. — Vai aliviar as queimaduras.

Por fim, Kael continuava a tratar dos ferimentos daquele estranho, mas que agora estava à mercê de seus cuidados. Por fim, não havia mais nada que o homem alvo pudesse fazer além de esperar a recuperação do ferido. Algo que acontecia lentamente. Pouco a pouco, o homem começou a recobrar os sentidos, e um olhar de gratidão que inicialmente tomou aquele encontro foi substituído por outro de desespero.

— A minha filha... — Ele começava dizendo, e o seu olhar preocupado se tornava cada vez mais assustado. Kael não precisava de mais informações. — Onde... Onde ela está?! — Antes do fim daquela frase, a porta do bar se fechava novamente como se o vento a tivesse aberto rapidamente. Kael não estava mais lá.

"O cais... Foi onde o encontraram."

A tempestade de neve continuava a rugir do lado de fora, mas Kael não hesitou. Ele saiu do bar e adentrou o caos gélido da noite eterna de Darkaria. O cais estava vazio e silencioso, iluminado apenas pela fraca luminosidade das estrelas encobertas pelas nuvens pesadas.

O som abafado de passos na neve e o sussurro do vento criavam uma atmosfera de tensão e incerteza. Kael avançou com cuidado, seus olhos aguçados examinando cada sombra em busca de pistas. Era como se o próprio ambiente estivesse impregnado com uma aura de terror e mistério, uma sensação de que algo sobrenatural espreitava nas sombras.

E então, ele a viu. A criança, uma pequena figura encolhida perto da beira do cais, tremendo de medo e frio. Kael se aproximou dela com passos cautelosos, seus sentidos alerta para qualquer ameaça que pudesse estar espreitando por perto.

A visão que se revelou à luz fraca das estrelas era horripilante. Um lobo, ou algo que outrora fora um lobo, estava debruçado sobre o corpo inerte de um dos mortos-vivos. Sua pelagem estava emaranhada e em ruínas, manchada de um vermelho escuro e viscoso. Seus olhos eram vazios, brilhando com um sinistro fulgor sobrenatural.

O lobo morto-vivo havia sido pego em um estado de banquete grotesco, e seus olhos se voltaram para Kael com um misto de faminta agressividade e desafio. Seus dentes retorcidos e afiados estavam manchados de sangue, e a cena era uma macabra dança entre vida e morte.

Kael estava diante de uma criatura das sombras, um membro da sinistra raça de lobos chamada "Umbralwolf", conhecidos por sua ligação nefasta com a escuridão e pela capacidade de trazer terror à noite eterna de Darkaria.

A criança chorava baixinho, seus olhos arregalados de medo. — Shh... Tá tudo bem... — Kael se agachava ao lado da pequena criança, cobrindo-a com o seu manto negro, dando as costas ao Umbralwolf que já começava a rosnar. — Qual o seu nome, pequena? — Ele depositava a sua mão por sobre a cabeça da criança humana. Era terrível ver cada vez mais refugiados naquela situação de vulnerabilidade. Ele examinava roupas rasgadas da criança e sorria. A criança parecia congelada de medo ou de frio, não importava, ela apenas mantinha o seu olhar atento ao lobo que parecia começar uma investida.

Com uma ação rápida e calculada, Kael sacou sua espada, o metal brilhando fracamente sob as estrelas ocultas.

O lobo morto-vivo avançou com uma agilidade sobrenatural, suas garras rasgando a neve com um som arrepiante. Kael se moveu com agilidade, desviando habilmente dos ataques do Umbralwolf enquanto mantinha sua guarda protetora sobre a criança.

O metal da espada de Kael cortou o ar, encontrando as garras afiadas do Umbralwolf em um choque faiscante. A força do impacto reverberou pelos braços de Kael, mas ele manteve sua postura firme, os músculos tensos com determinação.

A luta era feroz e implacável. O Umbralwolf era uma criatura formidável, alimentada por uma energia sombria que o tornava ágil e letal. Suas investidas eram rápidas e imprevisíveis, testando a perícia de Kael a cada movimento.

Kael não recuava. Ele usava sua espada não apenas como uma arma, mas como uma extensão de sua própria vontade. Seus golpes eram precisos e calculados, cortando através do ar gelado em direção ao Umbralwolf. Cada desvio e bloqueio era um ballet de aço e sombras, enquanto Kael se esforçava para proteger a vida da garota e repelir a ameaça que se erguia diante deles.

A criança observava a luta com olhos arregalados, misturando medo e esperança enquanto via Kael se defender contra o impiedoso Umbralwolf. Ela se agarrou a uma pedra próxima, seus dedos trêmulos se apertando enquanto ela buscava uma âncora de coragem em meio ao caos.

Com um golpe final poderoso, Kael conseguiu atingir o Umbralwolf, sua espada cortando profundamente através das trevas que envolviam a criatura. Um uivo agonizante ecoou pela noite, misturando-se ao rugido da tempestade de neve.

A garota assentiu, os olhos brilhando com gratidão. Ela estava a salvo, e a coragem de Kael havia afastado a escuridão que os ameaçava. Enquanto o Umbralwolf jazia derrotado, a noite eterna de Darkaria parecia recuar momentaneamente, permitindo um raio de esperança penetrar na escuridão.

Apesar do frio do momento, uma película clara surgia magicamente em frente a Kael, uma espécie de retrato claro com alguns dizeres claros, que de alguma maneira ele conseguia compreender, apesar de não estar em uma língua comum.

"Faça cem flexões e cem abdominais."

Aquele comando era imediatamente compreendido por Kael, que conseguia ver nele um sinal divino de alguma maneira. Ele olhava para a garota, que tremia no frio, mas ele a ignorava momentaneamente, abaixando-se e posicionando-se de forma paralela ao chão, virado para baixo.



Kael começava os movimentos de flexão dos braços, levando o seu tronco para baixo enquanto forçava o uso do núcleo muscular de seu peitoral. Por fim, se virava, deitando de peito para cima no chão de neve. O calor que aquele exercício gerava começava a esquentá-lo naquele frio do inverno de Darkaria. Na sequência, realizava também os movimentos de flexão do abdomen, elevando o seu tronco de forma a ficar mais próximo de seus joelhos também flexionados. Realizava ambos os exercícios pelo número de vezes especificado pela caixa-divina, e então se erguia.

— Vamos, garota. — Kael dizia, percebendo que a criança estava bastante assustada e já perdendo as suas forças de tanto esperar. Kael não se cansava, no entanto, levando aquele exercício com facilidade devido ao seu corpo resistente.

Com a garota protegida sob seu manto, Kael fez o caminho de volta através da tempestade de neve até o bar em Malum'cruz. A criança tremia de frio, mas seus olhos estavam cheios de gratidão. Ao entrarem no bar, Kael e a garota foram recebidos por olhares curiosos e murmurinhos sussurrados.

Lyra estava de pé, observando a cena com um sorriso suave e reconfortante. Ela se aproximou, seus olhos encontrando os de Kael com um entendimento silencioso. Não havia palavras necessárias para expressar a mistura de emoções que percorria aquele momento.

Kael colocou com cuidado a garota em uma das cadeiras próximas à lareira, envolvendo-a com um cobertor quente que Lyra havia trazido. Ele olhou para a garota, oferecendo um sorriso gentil e tranquilizador.

— Você está segura agora. — ele disse suavemente, suas palavras carregadas de conforto.

A garota olhou para Kael, seus olhos brilhando enquanto ela assentia com gratidão. Kael então se aproximou de Lyra, e os dois amigos compartilharam um olhar significativo, reconhecendo a importância daquela noite e das ações que haviam tomado.

O som do crepitar da lareira se misturava aos murmúrios suaves da multidão, criando uma atmosfera acolhedora que contrastava com as adversidades que haviam enfrentado.

O homem ferido, cujo nome agora era revelado como Adrik, estava de pé diante de sua filha, cujos olhos brilhavam com alegria e alívio. A menina se agarrou às pernas do pai, seus dedinhos pequenos agarrando-se às vestes, enquanto lágrimas de gratidão rolavam pelas bochechas calejadas de Adrik.

Com o reencontro emocional concluído, chegara o momento de Kael e Lyra partir. Eles saíram do bar, caminhando pela rua iluminada por lanternas que balançavam suavemente no vento frio da noite.

Do lado de fora, os cavalos de Kael e Lyra aguardavam pacientemente, suas respirações visíveis no ar gelado. Kael olhou para Lyra, compartilhando um olhar carregado de significado. Era hora de voltar para o Refúgio da Aurora, para sua cidade de esperança e mérito.

Os dois montaram em seus cavalos, Kael segurando as rédeas com firmeza enquanto Lyra o acompanhava. Eles olharam para trás uma última vez, vendo as luzes de Malum'cruz cintilando na escuridão da noite.