Mais teimoso quanto qualquer mula que eu já havia encontrado em toda a minha vida. E foram muitas ta bom? Eu falava com mulas, mas nenhuma me desafiava dessa maneira. Aos poucos a frustração se tornava uma raiva latente, ele estava tirando onda com a minha cara? Sinceramente? Não podia arriscar deixar ele tão avonte… Nós estávamos em perigo ainda.

— Já conheci mulas menos teimosas que você! E eu falo com elas, Seiji!! — Disse para ele, levando a canhota até seu corpo, dessa vez, tentando segurar o braço que sangrava. Eu não era bruto e nem violento, mas agia com certa força, para fazer com que o dragão não revidasse meu toque.

Os cães ao nosso entorno se aproximavam, curiosos. Alguns rosnavam baixinho enquanto outros ainda grunhiam preocupados. Mas havia alguns, mais próximos que abanavam o rabo, vendo tudo aquilo como uma grande brincadeira… O que era, mas só na cabeça de vento de Seiji! — Me dê essa mão, caramba! — Disse de novo, de maneira enfática e mais séria que antes.

— Tá achando graça? Que é brincadeira? Estamos expostos, não sabemos se tem mais inimigos por perto… Me deixe te curar e vamos sair desse beco! — Disse para ele, tentando o agarrar, evitando de acabar me machucando em suas escamas.

— Não to achando graça alguma nesse seu comportamento… — Eu puxei sua capa, expondo um pouco sua camisa por debaixo daquele tecido em uma ação no meio daquela… Podia dizer que era uma briga? Uma discussão acalorada?

Uma coisa eu notava nessa tentativa de me aproximar dele a força… Ele era, definitivamente, mais forte que eu, mesmo não estando em seu ápice físico. Meu corpo pendia para frente nessa tentativa de lhe render. Um coelhinho contra um urso… Mas eu não deixaria barato não!

A força do dragão sobre meu corpo fez com que eu fosse jogado para cima dele. Em um movimento quase que involuntário, levei a destra para o lado de seu pescoço, me apoiando no chão para não cair de cara em cima dele. Estávamos próximos, mais próximos do que já estivemos antes. Eu estava com raiva, zangado por conta da teimosia dele…

Mas o que veio a seguir, quebrou todas as minhas defesas e abaixou a minha guarda. A risada do loiro… Seu sorriso… Eu o encarei com um olhar inicialmente surpreso com a queda, mas depois, não pude deixar um sorriso surgir em meus lábios. Olhei para seus olhos… Eles eram de cores distintas, tão lindas. Não pude me deixar não contagiar por aquela risada, aquele sorriso e logo, me juntei ao loiro. Rindo de maneira animada, deixando as lágrimas aos poucos secaram para dar abertura a mais um loop da monta-russa que era a nossa relação.

As palavras dele, sua calma em meio a aquela situação. Dei um suave sorriso orgulhoso para ele. — Eu sempre ganho. — Disse com uma risadinha amável e um pouco debochada. O tempo podia fluir diferente quando eu estava junto a Seiji, mas ali, segundos se pareciam arrastar por horas enquanto nossos olhares se cruzavam.

A sensação que sentia… O suspiro abafado que eu dava. Enquanto a destra se apoiava no chão, o restante de meu corpo estava caído em cima dele. Minha canhota em seu peitoral, sentindo seus músculos fortes por debaixo daquele tecido. Ele era quente, mais quente do que eu poderia imaginar. Sentia meu coração batendo forte, como uma ventania em meio ao calor do verão. O calor do corpo do dragão embaixo de mim. Aos poucos, sentia as bochechas corarem e meu corpo paralisar por alguns segundos.

As memórias de Seiji naquele quarto… Seu rosto, seu corpo, seu ímpeto selvagem… Ele ainda tinha os traços daquele ato libidinoso? Talvez… mas porque eu estava pensando nisso? Porque eu estava tão eufórico na presença dele… Eu não sou tão sentimental assim, sou? Tomado pela inveja de ver algo que jamais teria o prazer de vivenciar… Espera, eu… Desejava aquilo… Com ele? Meu corpo gritava que sim e a sensação nos países baixos voltava à tona.

O latido de um dos cães me fez voltar a realidade. Piscando algumas vezes e de maneira sem graça me movi de cima de seu corpo, ficando ao seu lado antes de me levantar do chão quase que em um pulo. Eu olhei para a parede do beco a minha frente, molhando os lábios com a ponta da língua, sentindo uma euforia passando por todos os fios de meu cabelo. Não falei nada, não abri a boca a não ser para suspirar.

— N-Não é isso… Não estou zangado nem nada… Eu estou bem… Só… Muita coisa na cabeça. — Disse para ele, minha voz tímida e um pouco desengonçada. Sentia o volume em minhas pernas me incomodando… Como iria disfarçar aquilo? — P-Posso te pedir um… Favor? — Perguntei com a voz dengosa que eu tinha quando queria algo de alguém.

— F-Feche os olhos… — Eu disse a ele enquanto via os cães voltarem para meu lado. Um dos animais foi para perto de Seiji, lambendo sua mão esquerda como se pedisse um carinho.

— E… Não os abra… É só isso que eu peço a você… — Eu falei, sem me virar para ele. Não queria que ele visse… Não queria passar por essa vergonha. O que ele pensaria? Que eu era um depravado, um maníaco que não conseguia controlar os próprios impulsos?? — Fechou? — Com a anuência do dragão, me viraria para ele de soslaio, para checar se seus olhos estavam fechados e assim que estivessem me aproximaria novamente dele.

À sua frente, ajoelharia novamente, levando minhas mãos até as dele. De maneira delicada e sensível. O sangue que ele havia derramado era por minha causa… Levei a mão das quais as escamas faltavam até perto de meu rosto, tocando seus dedos levemente sobre meus lábios. — Aura de Vie… — Disse em um sussurro quente sobre sua pele. As feridas logo começaram a estancar, a energia divina que emanava de meu corpo ia em direção ao dragão, trazendo não só a cura de suas feridas, como uma sensação muito boa de um abraço quentinho.

Usar a magia de cura me trazia certa paz. — Seiji… Você consegue se levantar? — Perguntei ao homem, precisava saber se ele tinha mana e energia para no mínimo isso. — E-Eu posso te dar um pouco da minha energia se você precisar… — Sentia meus lábios tremerem, minhas bochechas corarem. O que eu estava fazendo? Doação de energia e mana era algo íntimo… — Mas não pode abrir os olhos! — Disse novamente, enfatizando o ato.

Ele brincava, dizendo que seus próprios olhos eram feios e que eu deveria estar com repulsa dos mesmos… Mal sabia Seiji que seus olhos eram tão lindos para mim quanto seu sorriso que ele me mostrará a pouco. A magia de cura havia funcionado e eu estava aliviado por poder proporcionar isso a ele. Era de certo modo, minha responsabilidade… Se não fosse por mim, Seiji provavelmente estaria em alguma taverna bebendo a esta hora.

O céu estava escuro e somente as luzes do porto e das estrelas estavam sobre nós agora. — Eu não tenho certeza de nada, Seiji… Mas se conheço bem esses demônios, eles andam sempre em bandos quando são mais fracos e tendem a serem mais individualistas quando são mais fortes. — Eu ouvi suas palavras atentamente. Ele podia consumir o vento para recuperar a energia? Isso era novidade para mim… Não sabia como tal coisa funcionava, seria algo que só os dragões faziam?

Ele logo perguntou sobre como a recuperação de energia através de mim funcionava. E nessa hora eu congelei. Ah não… Teria de dizer a ele como aquilo tudo poderia dar certo e tal pensamento fez minhas bochechas queimarem de novo. — É…É… M-Melhor deixarmos isso p-p-para outra ocasião!! — Eu gaguejei, em um pequeno pânico. Como diria que precisava beijá-lo? Eu nem sei beijar! Se já beijei na vida, foi apenas para evitar a morte de alguém, mas não por vontade, desejo… Eu queria ajudar Seiji, sim, mas também o queria…

O homem estava certo, eu precisava da minha própria energia guardada, caso alguém viesse nos emboscar. — Tudo bem… Você pode comer o vento… Se quiser abrir os olhos agora. — Eu disse, ainda sentado de joelhos na frente dele. Eu ainda segurava sua mão, sem ao menos perceber, estava acariciando suas escamas.

— Seiji… — Diria baixinho quando ele abrisse os olhos e voltasse a me encarar. — Eu gosto dos seus olhos… Eles são lindos. — Diria com um simples sorrisinho bobo. Eu não era bom na arte do flerte, nem mesmo bom com palavras… Dizia apenas a verdade que eu sentia em meu coração e essa, era uma delas.

— É uma longa… Longa história… — Disse para ele, enquanto ainda podia brincar com aquelas escamas sobre minhas mãos. — Eu… Sou importante para eles e estou fadado a ser seu alvo até o dia em que eu realize uma tarefa… — Disse enquanto abaixava a cabeça.

O questionamento sobre o método de transferência de energia era feito… Como ele sabia? Tudo bem, ele podia ter conhecimento sobre mas… Estava tão óbvio o eu nervosismo? Ah... Com certeza estava. Senti meu corpo todo ferver, minhas bochechas ficando extremamente vermelhas enquanto minhas mãos começavam a ficar suadas. Apertei a mão dele, sentia o coração trotando novamente.

— E-Existem… V-Várias maneiras, Seiji… — Disse por fim, não mentido, mas também não querendo desenvolver mais o assunto. Sim, era algo bem íntimo… Até demais para a minha pessoa, mas não havia nada que pudesse ser feito a não ser contar com a habilidade do dragão em se alimentar do vento.

Observei o loiro criar uma pequena bolinha de energia elemental. Eu piscava lentamente, observando-o acumular a energia dos ventos ali e depois se alimentar dela. — … T-Tem gosto de alguma coisa? — Perguntei com um pouco de curiosidade. Qual seria o sabor do vento?

O observei se levantar e fiz o mesmo em seguida, me colocando à frente dele. Observando seus olhos graciosos e seus gestos. Tirei a poeira de minhas pernas e braços antes de olhar para ele.

— Ah sim… É… — Disse baixinho enquanto ele comentava que era hora de voltarmos… Adara, minha mestra provavelmente estava bêbada a essa altura pra não ter vindo me procurar. E convenhamos que retirar a mulher de sua cadeira na taverna não era uma boa ideia. Mas o que me doeu foi o que veio em seguida.

— Seu caminho…? V-Vai partir já? — Já? Ele estava o dia todo comigo e havia citado que seu irmão estava na cidade… Ele tinha coisas a fazer também, que não envolviam a minha presença. Não sei se por carência ou por um súbito medo de perdê-lo eu segurei a sua mão, levando a mesma até meu peito, segurando com ambas as minhas.

— Me deixe ir com você! — Eu disse de maneira impulsiva, meus olhos brilhantes como uma criança que implorava à mãe para receber doces antes do jantar.

— E-Eu prometo que não vou te atrapalhar… E-Eu posso ser bem útil caçando monstros enquanto f-faço as missões da minha mestra… V-Você pode me ensinar a atirar melhor também e-e eu posso te ensinar a cavalgar mais rápido do que o vento… — Eu disse, minha voz trêmula, gaguejava enquanto um turbilhão de sentimentos passagem pelo meu corpo. Embora distintos, todos eles chegavam ao mesmo ponto. Eu queria ficar ao lado dele… Pois ele agora era importante para mim.

— Por favor… Eu… Não quero. — Sentia as mãos tremerem mais, meus lábios também estavam trêmulos.

— Eu não quero ficar sozinho de novo… — Disse por fim, me humilhando nas palavras, mas deixando com que meus sentimentos fossem ouvidos… Era melhor sofrer com uma rejeição do que morrer engasgado com palavras jamais ditas.